Mulheres pretas no poder representam uma legislação democrática, garantindo
representatividade e outra estética do Congresso
(foto: Lylian Rodrigues - Roda de conversa Gira do Poder)
Ocupar espaços nesse mundo nunca foi fácil para nenhuma de nós. Ser mulher é
uma luta diária para estar e permanecer em lugares que nunca nos foram mostrados como lugar de pertencimento. E quando se abrem espaços, os primeiros rostos vistos dificilmente são de uma mulher preta. A busca por direitos que sempre foram acessíveis aos homens ainda é uma corrida árdua contra o tempo para as mulheres.
Ocupar tais espaços é sempre uma luta e uma conquista política. Ser mulher é político, e por esse motivo, elas devem se apoderar desses ambientes.
Por muitos anos, apenas homens desfrutavam de direitos. As mulheres não decidiam nem mesmo sobre suas próprias vontades, pois exerciam papéis e obrigações morais que não as faziam acreditar no seu poder de decidir sobre atos políticos. Não votavam, nem eram votadas até 1932, quando o Código Eleitoral passou a assegurar o voto feminino e em 1934, as mulheres brasileiras conquistam o direito do voto na Constituição Federal.
Em 2022, comemoramos 90 anos deste marco histórico, conquista da luta das
mulheres. Entretanto, ainda há uma pauta da ampliação desse direito. Nos espaços de
poder, segundo o site do Tribunal Superior Eleitoral, mulheres ocupam 53% do eleitorado brasileiro, mas ainda assim são minoria nos cargos eletivos. E destes 53%, as mulheres negras não ocupam sequer 5% das cadeiras dos parlamentos. (Fonte: Agência Senado e site TSE).
Mulheres brancas chegaram primeiro nesses lugares de poder. E, apesar de representarem o gênero, elas nunca vão carregar em suas bagagens a vivência de
mulheres pretas, que em nada se assemelha por causa da diferença racial. É extremamente válida a participação de todas na política, mas a democracia e a igualdade só se ampliam quando mais mulheres pretas - e indígenas - ocuparem esses lugares para ecoar as próprias vozes. E para isso acontecer, é necessário e urgente eleger mulheres pretas.
ELEJA PRETAS
(foto: Instagram - Valdeci Nascimento Coordenadora do Odara)
Democracia é participação da pluralidade, com direitos igualmente garantidos nos
espaços, é se sentir representado, se enxergar nos espaços de poder através de alguém
que paute demandas de grupos sociais com suas particularidades. Por isso, hoje existem diversos projetos no Brasil com o intuito de fomentar o voto em mulheres negras, para que elas exerçam seu papel democrático nos espaços de poder. Um desses projetos é o ODARA - Instituto da Mulher Negra (Odara), iniciado em 2010 com o objetivo de garantir o direito das mulheres negras.
Neste ano de 2022, o ODARA promove a campanha chamada "Pretas no Poder", que busca trazer uma reflexão sobre os espaços de poder e como essas mulheres estão inseridas nesses lugares, além de fortalecer a participação delas na política. (Pretas no
Poder).
Valdeci Nascimento, Coordenadora Executiva da Articulação de Organização de
Mulheres Negras Brasileiras e Coordenadora de Captação de Recursos do ODARA, diz que a vontade do Instituto é formar sujeitas políticas para que a democracia seja exercida em sua totalidade, “só é possível se essas mulheres não estiverem de fora desses debates”, completa Valdeci.
(foto: Instagram - Rivanda Lina presidente do Imena)
No Amapá, projetos como este também estão sendo realizados, sob coordenação
do Instituto de Mulheres Negras do Amapá (IMENA), que surgiu em 1999 com o objetivo de debater política para a população negra do estado.
Rivanda Lina, 56, professora estadual, ativista do movimento negro no Amapá e atual presidente do IMENA acrescenta, "o IMENA surge a partir da necessidade de dar visibilidade à população negra nas políticas públicas, em especial às mulheres".
Em maio deste ano, o Instituto promoveu uma roda de conversa chamada Gira do
Poder, que faz parte de um projeto chamado Dialogando Direito com Mulheres Negras na Pandemia. O objetivo foi apresentar estratégias eleitorais para dar auxílio às pré-candidatas negras do estado do Amapá, a fim de que as demais mulheres pretas se sintam representadas.
Toda comoção para esses projetos se intensificarem neste ano eleitoral muito diz respeito à atual conjuntura política brasileira. Os direitos que deveriam ser garantidos a nós mulheres se encontram cada vez mais escassos, e quando a maioria ainda é vista como minoria política que necessitam de direitos prioritários. É preciso que vozes ecoem para que mais direitos e sonhos não sejam deixados para trás. Sonhamos com mulheres em todos os ambientes possíveis, que sempre foram ditados pelo patriarcado, mas sonhamos ainda mais com pretas no topo, porque elas sabem a dor e a delícia de ser quem são.
Rivanda Lina diz que é importante que se vote nessas mulheres porque nos últimos anos houve muitas perdas de políticas públicas para todas nós e quem perde mais são as mães e filhas pretas desse país. "Quem mais sofre são as mulheres negras, porque nós que estamos na periferia, temos os piores salários. Quem perde o acesso à saúde e educação de qualidade somos nós" acrescenta "viramos a chave e o Amapá não ficou longe, por isso trazemos a proposta de votar em mulheres negras progressistas do estado Amapá, porque elas vão fazer o diferencial", finaliza.
Saber que tem alguém para representar mulheres marginalizadas na sociedade é a
esperança viva que nasceu em Dandaras, Marielles, Mahins e Lecis, sementes semeadas
até hoje. A história dessas mulheres e tantas outras mulheres pretas nesse país precisa ser contada por mulheres como elas, nos espaços de poder. Elas precisam ser parte
significativa dos votos em legislações que discutem sobre esses corpos. Não há como
legislar sem entender a vida, com seu recorte racial.
(foto: Instagram - Maria das Dores Secretária do IMENA)
Maria das Dores, 60, secretaria do IMENA, diz que a importância de ter mulheres
negras na política também é mudar a narrativa da estética de quem preenche esses
ambientes políticos. Afinal, quase sempre é composto pelo mesmo rosto, que geralmente é de uma mulher branca que já vem de uma família oligárquica. "A gente precisa votar em mulheres pretas para mudar a estética do Congresso", ela conclui.
E esse cenário dito pela Maria só pode mudar se as candidatas que estão
concorrendo ao pleito eleitoral forem eleitas. Ter mulheres negras nas salas de aulas,
juizados, hospitais e na Câmara sendo espelho para tantas outras jovens e as que ainda
estão por vir. Ocupar esses importantes espaços de destaque não deve ser utopia.
Votar em quem representa nossas vivências é urgente e crucial para mudar a atual conjuntura política e saber que em 2023 todos esses projetos, seja do ODARA na Bahia ou do IMENA no Amapá, e tantos outros espalhados pelo Brasil, são como a mesma semente deixada por Marielle, em 2018, que floresceu e elegeu essas mulheres no cenário político brasileiro.
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