Acúmulo de função, salário precarizado, xingamentos e estresse fazem parte da rotina dos motoristas de ônibus de Macapá
Por Fernando Tavares
Motoristas há 15 anos, Max Delis, 45 anos, membro da empresa Sião Thur, e Rosiel Santos, 49 anos, ex-funcionário da Capital Morena, relatam o cotidiano no transporte coletivo municipal. Eles destacam as maiores adversidades no ramo, que vão desde salários atrasados, acúmulo de funções, doenças e a hostilidade dos usuários.
O rodoviário Max Delis destaca como um dos problemas a redução dos cobradores nos coletivos. Com a retirada dos profissionais, os motoristas passaram a exercer três funções: dirigir, cobrar e auxiliar no transporte de pessoas com deficiência. Tudo isso sem ter um acréscimo no salário. “Não ganhamos nada a mais! Nós motoristas trabalhamos por 3 e recebemos por 1”, afirma Max.
Rosiel Santos prestou serviço para a empresa Capital Morena de 2008 a 2022. Em dezembro do ano passado, por causa de salários atrasados, falta de pagamento de FGTS, férias e motivos de saúde, ele saiu do transporte público. Entretanto, ressalta que no período que esteve na Capital Morena, nunca precisou fazer as duas funções. Mas ressalta que agora os ex-companheiros de serviço estão operando os dois cargos. “Durante o período que trabalhei na Capital Morena nunca precisei exercer as duas funções, sempre tinha um cobrador na linha, mas agora meus antigos colegas de trabalho começaram a ser motoristas e cobradores”, garante.
O estudante Rian Barroso destaca que o acúmulo de funções atrapalha e leva ao estresse entre passageiros e motoristas. “Atrapalha bastante, principalmente em horário de fluxo, as paradas estão lotadas. Ao exercer a função de cobrador acaba demorando mais o percurso da viagem, e para quem está atrasado, a demora do motorista deixa o povo estressado”, diz o estudante.
Em 2020, a Câmara Municipal de Macapá aprovou uma Lei n° 2328/2020, que proibia a dupla função de motorista e cobrador no transporte público municipal. Porém, em 2022, o Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP) revogou a decisão por considerá-la institucional, alegando que os vereadores teriam invadido a competência da prefeitura de legislar sobre os serviços de transporte.
Outro problema enfrentado pelos rodoviários são as agressões verbais por parte dos usuários. Essas reclamações vêm principalmente por conta da demora no horário dos ônibus. Com um número reduzido de veículos em circulação, a estimativa de frota é de 50 ônibus, os passageiros passam mais de 1h esperando o coletivo. Quem ouve as reclamações, na maioria das vezes, repletas de palavrões, são os motoristas.
O motorista Max Delis relata que os xingamentos são diários, principalmente por conta da insuficiência dos ônibus para atender a população macapaense. ‘‘Os xingamentos são principalmente por conta da demora dos ônibus’’, informa.
Salários atrasados
O que causa mais indignação nos motoristas são os salários atrasados, no caso da empresa intermunicipal Sião Thur, são três meses de salários em atraso e sem férias. Mesmo com o atraso, pedir demissão não é uma opção para esses trabalhadores. “Já são três meses de salários atrasados, incluindo férias, porém ficar desempregado não é uma escolha”, lamenta Max Delis.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são mais de oito milhões de desempregados no país, uma estimativa que assusta e pessoas como Max, que não quer ser mais um nessa estatística.
Conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na Lei n.º 185, de 14 de janeiro de 1936, no Art. 1º, todo trabalhador tem direito, em pagamento do serviço prestado, a um salário mínimo capaz de satisfazer suas necessidades básicas. Além disso, o descanso anual é um direito do trabalhador formal, com carteira assinada, assegurado no artigo 7º, inciso XVII pela Constituição de 1988. Assim como o pagamento e férias remuneradas, nenhum desses direitos estão sendo pagos aos funcionários das empresas de transporte coletivo de Macapá.
Condições de trabalho
Os rodoviários em Macapá trabalham em média sete horas por dia, podendo ultrapassar, pois o trajeto varia de linha para linha. Já na carga horária diária de Max, que opera em uma linha intermunicipal, ele precisa fazer três viagens no trecho Macapá – Santana. Após 15 anos exercendo o mesmo trabalho, o motorista vem sofrendo com problemas de audição. “Tenho problema de perda de audição por conta de vários anos com o barulho do motor do ônibus muito perto do motorista”, conta.
Enquanto soluções não são apresentadas, motoristas e usuários sofrem com os problemas no transporte coletivo. A situação é tão grave que até a Ação Coletiva de Trabalho deixou de ser realizada. Essa ação é reunião que ocorre uma vez por ano entre o Sindicato dos Rodoviários e empresas de ônibus. “Há quatro anos não tem essa reunião, estava prevista uma ação coletiva em dezembro, mas não aconteceu”, destaca o presidente do Sindicato dos Rodoviários, Cristiano Souza.
Ainda segundo o presidente, a instituição está há quatro anos buscando um salário linear para os motoristas amapaenses, mas essa ainda não é uma realidade para a classe. Ele ressalta ainda outras ações que o sindicato buscou. “O sindicato já entrou com várias ações de pagamento atrasado, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas os empresários preferem pagar multa a garantir os direitos dos trabalhadores”, enfatiza.
Entretanto, algumas dessas ações tiveram resultado parcial. O sindicato entrou com uma ação judicial para aumento de 8,83%, mas apenas duas empresas cumpriram: Santanense e Sião Thur. “O Expresso Marco Zero, Capital Morena e AmazonThur não seguiram o acordo até agora”, afirma Cristiano.
O presidente do sindicato expõe ainda a situação da estrutura dos veículos do transporte público à população macapaense. “É muito ônibus velho e precarizado, não tem um ônibus que preste em Macapá”, diz. Com toda essa situação, Cristiano Souza associa o trabalho dos rodoviários a um trabalho análogo à escravidão.
Muitos outros benefícios também deixaram de ser pagos aos rodoviários nos últimos quatro anos. Auxílio-alimentação, auxílio saúde e assiduidade são alguns dos benefícios que as empresas deixaram de pagar aos motoristas.
Atualmente, as empresas não oferecem assistência psicológica ou reabilitação para os funcionários que estejam com algum problema de saúde. Cristiano Souza relembra que, em 2017, as empresas ofereciam assistência aos colaboradores.
A equipe de reportagem entrou em contato com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Amapá (SETAP) para falar sobre os salários atrasados e acúmulo de funções, mas até o fechamento desta reportagem não obtivemos retorno.
*Reportagem produzida na disciplina de Webjornalismo ministrada pelo professor Alan Milhomem
Parabéns pelo texto, Fernando!
Assunto que está sendo cada vez mais abordado nas redes sociais por passageiros do transporte público, é muito interessante ver a notícia de diferentes ângulos e com essa seriedade e sensibilidade trazida na matéria.