Mulheres, homens trans e pessoas não-binárias em vulnerabilidade social são as mais afetadas por ausência de políticas públicas voltadas à dignidade menstrual
Desde a menarca (primeira menstruação) a vida da mulher cis nunca mais é a mesma de antes. Todos os meses e as mesmas preocupações de sempre: preocupação em comprar absorventes e mudanças hormonais que o capitalismo criado por e para o universo masculino não sabe lidar.O mercado de trabalho não necessariamente acolhe a natureza cíclica do feminino.
O acesso aos absorventes, apesar de ser facilmente encontrado em mercearias e mercados facilmente, não é necessariamente acessível a todas as pessoas. É absurdo imaginar que há pessoas que menstruam e não possuem em torno de R$5,00 para pagar um pacote, sem levar em conta a possibilidade de, variando de pessoa para pessoa, o sangramento ser mais intenso e durar mais dias; o que requer mais de um pacote para suprir a necessidade.
Delciane Mendes, atual assessora de gabinete da Secretaria de Saúde de Santana (SESA), compartilha que já presenciou situações onde colegas da escola precisaram sair do local por não terem absorventes em mãos, e pela vergonha que essa situação pode causar. “Acontece bastante sair e procurar outros recursos porque a escola não dá esse suporte que é muito importante. Às vezes na própria família, a filha criada longe de mãe acaba se ‘acanhando’ em alguma situação com o pai ou com avós. E por questões financeiras, mesmo sendo um produto que a gente pode comprar em qualquer mercearia imagina, requer dinheiro para estar consumindo o produto.Hoje em dia a gente já se organiza com condições financeiras. Mas tem gente que não tem essas condições, já tá vendendo almoço para comprar a janta e passa despercebido”, declara Delciane.
“É um assunto que é vergonhoso e eu já presenciei alguns projetos nas escolas de deixar uma caixinha no banheiro das meninas principalmente, para que não ficasse tão exposto. Em uma escola onde participei de um projeto eles colocavam a caixa no corredor, e era uma coisa que não era para ser constrangedora. Em órgão público e escola deveria ter esse acesso. Até nas unidades a gente tem as caixinhas de preservativos, assim também deveria ser absorvente”.
Segundo a enfermeira obstetra, Tânia Regina Ferreira Vilhena, a pobreza menstrual é um problema de classe econômica, que coloca meninas e mulheres em vulnerabilidade emocional e física, o que dificulta a procura de ajuda para solucionar essa questão. “Uma solução definitiva que implique em várias outras mudanças nas questões de vida, porque uma pessoa que não tem 5 a 6 reais para comprar um pacote também não tem dinheiro para comprar comida, gás, luz e não tem para ter uma qualidade de vida. Quem sofre pobreza menstrual tem vulnerabilidade social”.
Para Tânia Regina, é uma discussão social que parece ser recente, mas existe há muitos anos, o que falta é a visibilidade para esse tema, encará-lo como uma situação de identificação com o outro, de identificação com as necessidades, e de identificação das limitações existentes e dos preconceitos sofridos enquanto mulher.
Da mesma forma, a pedagoga e ativista pelos direitos das mulheres Priscylla Resque afirma: “Pobreza menstrual é um conceito recente para um problema longínquo de escassez de recursos higiênicos para pessoas que menstruam”. Ela presenciou mais de uma pessoa passando pela falta de absorventes, e foram afetadas porque elas não tinham coragem de sair de casa com medo de vazamento do sangue menstrual, dificultando suas atividades cotidianas como ir à escola. Além de infecção na região genital, pois muitas mulheres introduzem ou colocam para absorver o sangue material não indicado.
A questão da própria percepção da autoestima, da dificuldade de se entender, de se perceber, de se valorizar; porque uma mulher / adolescente que tem essa característica está ali numa total situação de vulnerabilidade.
Alexia Matos, biomédica e membro do programa Amapá Jovem, explica que pessoas que sem condições de comprar absorvente vão procurar outros métodos não seguros, os mais comuns são: papel higiênico, jornal, pano e miolo de pão. “Imagina a série de infecções que essa pessoa pode ter com esse material em contato com a parte íntima”, alerta Alexia.
A pobreza menstrual estará presente em todos os locais onde pessoas que menstruam estiverem, assim como o ambiente escolar, porque pessoas que param a escola e o ano letivo porque falta condições de comprar o absorvente. “Há uma série de situações que fazem essa criança querer parar de ir à escola. O problema social, que é a falta de dinheiro, é muito mais profundo do que as pessoas conseguem imaginar. As pessoas mais afetadas são as de vulnerabilidade social. Não é só uma pobreza financeira, é também uma pobreza de conhecimento”, contextualiza a biomédica Alexia.
Alexia participa de campanha sobre dignidade menstrual, que organizou uma cartilha informativa sobre o que é dignidade menstrual, que vem com o intuito de amenizar os efeitos da pobreza menstrual das pessoas que menstruam.
Para a assessora de Gabinete da SESA, Lorena Lacerda, não se trata apenas de não ter o dinheiro para comprar o absorvente, mas trata-se também de ausência de conhecimento sobre o corpo e direitos. Falta de conhecimento sobre a higiene e questões da menstruação.
Em um relato particular, Lorena compartilha que em seus primeiros ciclos usava pano para absorver o sangue: “era muito carente, e eu menstruei com 13 anos. Eu ficava com vergonha de falar pra minha mãe pelo fato de ela vir de um tempo muito antigo e nunca ter conversado comigo sobre isso. Quando menstruei estava na casa da minha tia, eu fiquei morrendo de vergonha e usei muito papel higiênico por um bom tempo. Até eu falar para a minha mãe que eu estava menstruada, que eu nem sabia como era, antes na escola não tinha toda essa diversidade de informação que tem hoje. Pra falar pra minha mãe eu fiquei toda desconfiada, parece que tinha uma parede que eu não conseguia”.
“A minha filha tem 13 anos e menstruou com 12, todas essas informações ela já tinha. O que eu não tive, hoje em dia dou pra ela. Compro aqueles pacotes grandes para que quando ela precisar não tenha de vir comigo, até hoje ainda é vergonhoso”, comenta Lorena.
Camile da Costa, estudante do Ensino Médio, comenta que na escola participava de uma chapa do grêmio estudantil e tirar dinheiro do próprio bolso para arrecadar dinheiro para distribuir absorvente para as meninas. “É muito ruim quando estamos na escola e desce a menstruação e não tem (absorvente) e a gente tem que ir para casa. Imagina quantas aulas a gente perde, e imagina as outras meninas que não têm. Já aconteceu de no primeiro horário eu ter de sair da aula porque não tinha absorvente na escola. A gente conversou com a professora, mas ela falou que o nosso projeto não iria aguentar por muito tempo porque não ia ter ajuda do governo. Teve a briga do Bolsonaro que a deputada desde 2019 estava na luta para distribuição de absorventes e foi negada”, desabafa.
Eduarda Tavares, estudante do ensino médio, acharia uma ideia legal distribuir absorventes para todas essas mulheres que não têm condições de comprar e ser gratuito para todas.
A pobreza menstrual é uma questão social que tem que ser vista da vertente da multidisciplinaridade dando oportunidades sociais, educacionais de acesso à informação, e aos serviços que de uma maneira geral a gente observa limitado pra ter vindo a tona um problema que vem desde quando o mundo é mundo as dificuldades que as pessoas que menstrua, tenham de se salvaguardar para ter um período menstrual saudável.
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