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Foto do escritorLorena Lima

Mulheres lidam com o assédio sexual de cada dia carregando medos e traumas

Datafolha e Fórum Brasileiro de Segurança apontam que mais de 26 milhões foram vítimas no país

(Foto: Lorena Lima)

Assédio sexual é todo e qualquer ato que cause desconforto, invasão, desrespeito, sequelas psicológicas e emocionais a mulher. Configuram-se em comportamentos como apalpar, tocar, mostrar órgão genital sem consentimento, comentários ‘normalizados’ que afetam negativamente a autoestima e provocam desconforto, vergonha, culpa e medo. Quando o assédio acontece, uma das atitudes mais recorrentes é não reagir, tentar esquecer e guardar em segredo.

As mulheres não têm lugar seguro. São agredidas e mortas massivamente dentro de casa pelos companheiros e/ou ex-companheiros, e fora de casa são assediadas no transporte público, no ambiente de trabalho, na escola e na rua. O assédio sexual é uma realidade de inúmeras mulheres ao redor do mundo, e no Brasil é uma problemática cultural recorrente.

Pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança pública e Datafolha publicada esse ano revela que cerca de 26,5 milhões de mulheres foram vítimas de assédio sexual no Brasil. Documento revela local de maior ocorrência das importunações sexuais e comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho, em seguida do transporte público.

Pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança pública. (Imagem: Print)

De acordo com o estudo a vitimação por assédio sexual está ligada a faixa etária, ou seja, quanto mais novas a ocorrência do assédio é maior. Dentre as jovens com 16 a 24 anos, 3 em cada 4 sofreu algum dos vários tipos de assédio sexual em um ano.

Eu também sofri assédio e nunca denunciei. Fui alisada pelo professor e importunada enquanto a sala de aula estava vazia. Estava sentada no meu lugar ao lado de um colega, e esse professor de história se aproximou de nós e começou a me direcionar perguntas extremamente invasivas, se eu namorava e que tipo de cara gostava e me sentia atraída. Eu ainda era menor de idade na época e não entendia exatamente o que estava acontecendo, até que em um momento ele sentou na minha frente e começou a alisar minha perna enquanto falava dele. O colega que estava do meu lado viu tudo e não fez nada, apenas fingiu naturalidade.

Eu sinto muito nojo toda vez que lembro desse dia, me pergunto porque não fiz nada e só fiquei paralisada. Nunca denunciei a escola nem incentivada a tomar providências, até fui questionada se realmente aconteceu e se eu não ‘estava exagerando’. Essa situação me deixa profundamente abalada porque esse homem está solto por aí traumatizando outras mulheres, e não quero nem imaginar do que ele seja capaz.

Já se passaram alguns anos disso e soube que umas garotas da mesma escola denunciaram coletivamente o coordenador por assédio sexual. Saber que muitas meninas tiveram a coragem que eu não tive me dá muita esperança. Eu sempre aconselho mulheres a denunciarem quando se sentirem prontas, mesmo eu nunca tendo feito o mesmo, porque a denúncia é um ato de empoderamento, e de direito a justiça.

Uma mulher concedeu entrevista a nossa equipe de reportagem, e para a segurança dela vamos preservar a identidade e utilizar um pseudônimo. Rebeca revela ter sido vítima de assédio sexual várias vezes ao longo de sua vida, e relata como eles a afetaram negativamente. “Quando eu era mais nova, aconteciam coisas que eu achava estranho demais e no fundo me deixavam desconfortável. Mas à medida que fui crescendo, amadurecendo e entendendo o quanto é difícil ser mulher em uma sociedade dominada por homens, passei a entender o porquê nessas situações eu ficava tão mal”, desabafa.

“Se tratam mais de toques, alisamentos, olhares, sabe? Tenho algumas memórias marcantes sobre isso, uma que eu estava na igreja de saia que não era muito curta, mas quando eu sentava aparecia um pouco da minha coxa. Um cara sentou do meu lado e ele foi aproximando a mão dele bem devagarinho para tocar na minha coxa e ficar alisando ela. Na hora eu só entrei em estado de choque, eu acho que tinha uns 12 anos na época. No domingo seguinte, ele fez a mesma coisa, mas por algum momento de adrenalina eu puxei a mão dele e saí de lá”, revela Rebeca.

“Outros são momentos na escola quando o coordenador ficava tocando no meu quadril, me apertando na barriga, alisando meu braço, meu cabelo. Eu sempre tive nojo disso e hoje eu entendo o significado” - Rebeca.

AGCOM: São inúmeras situações traumatizantes, sente que elas causaram consequências?

Rebeca: “Sim, acredito que é quase inevitável tu não pensar duas vezes antes de usar uma roupa pra sair, ter medo de com quem tu vai te relacionar pelo simples pavor de que algum momento ele pode te machucar. Acho que situações como essa me fizeram uma pessoa muito mais reclusa”.

“Recente eu estava com suspeita de Covid-19 e fui em uma UBS para fazer o teste. Entrei na sala sozinha e lá estava um biomédico. A princípio ele me pareceu bem educado, mas depois eu percebi que ele era extremamente mal intencionado. Ele começou a pedir pra eu olhar nos olhos dele, depois ficou fazendo perguntas se eu namorava, fazendo elogios ao meu corpo e eu já estava extremamente desconfortável com a situação. Quando eu fui fazer o teste, ele ficou alisando o meu braço e disse ‘nossa não acredito ainda que você não namora, bonita desse jeito. É mulher assim que os homens querem’ e depois ele parou, olhou pra mim e perguntou se eu era virgem. Eu fiquei tão desconfortável na hora, eu só queria sair dali. Cheguei em casa e eu só conseguia sentir nojo de mim e o tempo todo aquela imagem vinha na minha cabeça. Me senti tão suja, tão pequena e com muita vergonha de mim mesma”, relata Rebeca.

Rebeca não teve coragem de denunciar. “Não tive coragem nem de contar para os meus pais por pura vergonha, imagina ir denunciar…”, afirma.


AGCOM: Você acha que um dia conseguiria denunciar?

Rebeca: Não. Até porque eu tenho certeza de que não ia dar em nada.

(Foto: Lorena Lima)

A Ouvidoria da UNIFAP não trata a problemática quanto a apuração e responsabilização, mas acolhe e ouve as mulheres que sofrem assédio. Uma vez formalizada a denúncia, são realizadas análises dos fatos alegados e, diante de indícios mínimos de materialidade consistentes, a denúncia é encaminhada ao setor responsável pela apuração das alegações, no caso em questão, para a Corregedoria da UNIFAP.

A psicóloga e psicopedagoga Cirlene Maciel dos Santos explica que o assédio ocorre de várias maneiras, não só através do toque indesejado. “O assédio moral, assédio sexual e o homem pode se insinuar como por exemplo no local de trabalho. É muito comum no trabalho sofrer assédio por alguém a quem se é subordinado, força a praticar sexo indesejado”.

Segundo a psicóloga, pacientes já relataram sofrer assédio do próprio parceiro, e são ameaçadas pelos mesmos. De acordo com a mesma, o maior índice de violência é contra as mulheres negras. “É uma estatística preocupante pois está crescendo cada vez mais, o Brasil é o quinto lugar entre 84 países”.

“O assédio contra a mulher provoca um adoecimento psíquico nas vítimas. Ela vai estar fragilizada e doente psicologicamente, entre as vítimas acredita-se que há a perda do direito de ir e vir e da autoestima. É como se você fosse incapaz de buscar os seus ideais, o que causa depressão e ansiedade”, explica a psicóloga Cirlene.

Para superar o assédio, a psicóloga Cirlene recomenda buscar suporte entre família e amigas, para que as mulheres se ajudem e participem de políticas públicas essenciais para o empoderamento feminino.



Caso você esteja sofrendo ou conheça alguém que foi vítima de assédio busque ajuda profissional em atendimentos psicológicos gratuitos no SUS (Sistema Único de Saúde), e se um dia se sentir pronta denuncie a uma delegacia da mulher.


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