Carta aberta para as mulheres pretas, em especial àquelas que estão concorrendo ao pleito eleitoral de 2022
Por: Brunna Silva
Brunna Silva repórter da AGCOM (Foto: Fabiano Menezes)
Primeiro, gostaria de dizer que “escrevo como quem manda cartas de amor”, essa frase é do meu cantor favorito, Emicida. Mas eu sempre escrevi assim, aprendi com minhas ancestrais e vou ensinar minhas filhas a disseminarem amor através das palavras também.
Escrevo na semana mais importante deste ano, domingo eu irei praticar minha cidadania - em todos os sentidos dessa palavra - irei até a urna exercer meu direito de voto, certamente votarei para eleger uma mulher preta. Votarei com a esperança de que vou ser representada nos espaços de poder.
Ser mulher é lutar diariamente para ter dignidade, para poder ir e vir, para existir em todos os espaços. Existir nem é a palavra correta para ser usada, resistir é o termo apropriado, porque viver em um país que nos violenta de todas as formas, é sempre uma resistência. E, para mim, uma mulher preta, existir e resistir tem suas nuances e particularidades. Só nós sabemos a quão árdua é a nossa caminhada. Eu sei que para eu estar aqui hoje escrevendo essa carta para vocês, vieram muitas outras antes de mim, abrindo caminhos, elas lutaram para eu continuar lutando. Poderia citar aqui mulheres pretas admiráveis como Dandara dos Palmares e Luísa Mahin, mas hoje citarei mulheres pretas que moldaram a mulher que sou hoje.
Se escrevo essa carta, é porque sou neta de Olívia Brito, pariu oito filhos, trabalhou anos na saúde desse estado como enfermeira, mas que também ajudou muita gente para além do espaço hospitalar e, até o dia de partir, me ensinou o afeto preto; também é porque sou sobrinha de Berenice Brito, minha tia faleceu em 2020 vítima da pandemia, ela também trabalhava na saúde desse estado, cuidando de crianças pretinhas na pediatria.
Sobretudo é porque sou filha de Mara Regina, professora, minha mãe educa todos os dias a população amapaense e sempre me ensinou que educação é essencial, minha mãe é meu espelho. Essas são apenas algumas mulheres pretas que fizeram e continuam fazendo parte da história que tenho construído.
A Brunna que escreve para vocês hoje, tem apenas 22 anos, é bacharel em direito e aspirante à jornalista, mas para além do currículo que ainda é pequeno, eu sou fruto de duas famílias pretas, onde todos os espaços conquistados nunca foram de fácil acesso.
E apesar disso, eu nasci e me reconheci como uma mulher preta dentro da Universidade Federal do Amapá, foi nessa universidade que conheci outras mulheres pretas de muita potência que muito me ensinaram sobre a negritude (agradeço minhas amigas de classe: Beatriz Melo e Benedita Monte), foi por causa dessa universidade que decidi passar pela transição capilar, que me transformou além dos cachos.
Aqui eu renasci e a todas essas pessoas e tantas outras que não citei, sou grata. Como disse acima, esse domingo, dia 02 de outubro, será um dia decisivo, e eu estou esperançosa para eleger uma mulher preta, porque sei que precisamos estar presentes nos espaços de poder. Isso não é por vaidade, mas sim porque é necessário que nós estejamos nesses lugares. Me sinto exausta ao ler manchetes que dizem que um dos meus morreu vítima do racismo desse país e não quero um dia como jornalista ter que noticiar fatos dolorosos. Quero noticiar candidaturas de pretos e pretas, quero noticiar posses. Quero me enxergar em todos os espaços e ter em quem me inspirar nesses lugares, assim como quero ser inspiração para a futura geração. E são por esses motivos e tantos outros que declaro minhas intenções de votos em pretos nesse ano, principalmente em mulheres pretas. Foram essas mulheres que pariram esse país, mas que foram silenciadas pelos livros educativos de história, escritos por senhores brancos.
A liberdade que muitos acham que vieram das mãos de Isabel, na verdade vieram dos nossos ancestrais e poder contar as histórias que os livros nunca contaram, é dever meu e seu, é dever de quem quer corrigir desigualdades. Nessas duas últimas semanas, entrevistei quatro mulheres pretas extremamente potentes que estão concorrendo ao pleito eleitoral de 2022. E com cada uma eu aprendi um pouco da nossa história e vi o quanto é bonita, apesar de dolorosa, a nossa luta. A aspirante à jornalista que aqui escreve não é a mesma de duas semanas atrás. Hoje, eu levo comigo mais sonhos do que já levava, levo sonho de Alzira, Laura, Thawanna, Cristina e até mesmo daquelas que infelizmente não participaram das entrevistas. Levo sonhos e busco sonhos com brilhos nos olhos e com sede de fazer mudança, seja com as entrevistas, com essa carta e com tantas outras atitudes.
E como uma mulher preta que pretende um dia parir uma pretinha filha desse país, espero poder dizer a ela que eu elegi mulheres pretas, mulheres pretas capacitadas e com a vontade de viver em um Brasil que saiba a importância que nós temos para a construção desse país.
Por fim, queria agradecer quem acompanhou as entrevistas da coluna Fala Preta: filhas de Marielle, fazer parte desse projeto foi a realização de muitos sonhos, alguns que eu nem sabia que existiam dentro de mim. Também queria desejar um ótimo fim de campanha eleitoral a todas que entrevistei, mas também aquelas que não consegui entrevistar. E se você ainda não tem candidato para votar no domingo, te convido a votar em mulheres pretas.