O Centro de Memória da UNIFAP se destaca como referência na conservação, higienização e digitalização de documentos públicos e privados, que vão desde o acervo da ICOMI até a história da Guarda Territorial de quando a Fortaleza foi o primeiro comando e Quartel-Geral de Macapá e, mesmo documentos do século 18.
Por Ronaldo Batista
Desde abril, a Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) iniciou um processo fundamental para conservar a memória da história do nosso estado e nosso povo. Dia 27, foi assinado o Termo de Recolhimento do Acervo pessoal de Ortiz Vergolino. Ele trabalhou na ICOMI (Indústria e Comércio de Minérios S.A) por várias décadas e foi o último presidente da empresa no Amapá. São acervos iconográficos, documentos administrativos, impressos e museológicos, os quais foram doados para o Centro de Memória, Documentação Histórica e Arquivo (CEMEDHARQ) da UNIFAP.
O evento contou com a presença do Reitor Júlio Sá, da coordenadora do Centro Verônica Xavier Luna, Elke Daniela Rocha Nunes (vice-coordenadora), bem como do ex diretor-presidente da ICOMI Ortiz Vergolino, além de personalidades políticas, pesquisadores e estudantes do curso de História.
Personalidades, acadêmicos e docentes reunidos na Reitoria da Unifap para a assinatura do Termo de Recolhimento de Acervo da ICOMI Foto: (arquivo pessoal)
Para Elke Rocka, o momento foi “uma realização profissional e pessoal, devido o valor do objeto de pesquisa e para a própria história do Amapá”, contou a pesquisadora que também é professora do colegiado de História da Unifap.
Antes do transporte efetivo da documentação para a UNIFAP, foi montado um plano de trabalho para tratamento de acervo pessoal, segundo as normas do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), que é o órgão que regulamenta e normatiza as regras e procedimentos para a gestão e documentação de arquivo.
Após esse processo, a documentação será transportada e resguardada, em definitivo, nas futuras instalações do Centro de Memória da UNIFAP, que funcionará no segundo piso da Biblioteca Central que está em fase final de construção e que está prevista para inaugurar em agosto. Atualmente, o CEMEDHARQ funciona no Bloco do Curso de História da UNIFAP. Apesar da localização, o Centro não está vinculado ao Colegiado do Curso e sim institucionalizado junto à Reitoria.
Segundo a idealizadora e Coordenadora, Verônica Luna, “após uma série de articulações e conversas, em 2017, o Centro surge vinculado à Reitoria da UNIFAP. O CEMEDHARQ possui organização autônoma e orçamento próprio, mas dependente de emenda parlamentar”. É um centro de pesquisa que tem como finalidades a gestão, a guarda e a conservação de documentação física (escrita), oral (memórias) e acervos pessoais.
O CEMEDHARC tem origem nas atividades de um grupo de pesquisa em memória e arquivo do curso de História da UNIFAP que levou à criação do Núcleo de Memória do Amapá (NUMEAP).
Verônica Xavier é enfática ao afirmar que “o CEMEDHARQ tem origem nas atividades do Núcleo de Memória do Amapá (NUMEAP), mas foi desvinculado desse ente, por falta de compromisso de seus membros”. Atualmente, a equipe de trabalho ainda é pequena, porém muito atuante, possui coordenadora e vice, 02 colaboradores de nível técnico, 12 alunos bolsistas e 06 voluntários.
Equipe do CEMEDHARQ na organização do evento da guarda territorial Foto: (arquivo pessoal)
Uma característica importante é o caráter multidisciplinar do CEMEDHARC. “O Centro de Memória está aberto para professores e alunos dos diversos cursos da universidade. É de seu interesse ser caráter multidisciplinar. Atualmente duas professoras de Engenharia Civil então se aproximando do CEMEDHARQ”, conta Verônica Xavier.
O Centro de Memória ainda não possui a estrutura desejável e determinada legalmente pelo CONAQ. Porém, já possui equipamentos para atender as demandas iniciais, como o moderno scanner planetário para a digitalização desse tipo de documentação. No caso da documentação da ICOMI, o CONARQ está acompanhando o processo de tratamento e conservação do acervo, inclusive, oferecendo vários cursos para capacitação da equipe de trabalho.
Projetos desenvolvidos pelo CEMEDHARC
O CEMEDHARQ também recebeu doações de arquivos pessoais, a exemplo de Hélio Penafort. O acervo do jornalista está na Unifap para receber o tratamento devido. Parte da documentação histórica da Companhia de Água e Esgoto do Amapá(CAESA) está à espera de orçamento financeiro para receber tratamento e digitalização pelo CEMEDHARQ.
Jornalista Hélio Penafort Foto: (redes sociais)
CAESA - cemedharq. Foto: (arquivo pessoal)
Outros projetos estão em andamento e são realizados em parceria com organizações sociais, órgãos públicos e associações. É o caso da catalogação dos registros de falecimento do Cemitério Nossa Senhora da Conceição, localizado no centro de Macapá. O trabalho é realizado em parceria com a Igreja dos Mórmons. O projeto está na etapa final e o objetivo é organizar um obituário para aquele cemitério.
Curso de encadernação e costura em livros em parceria com a Igreja dos Mórmons
Foto: (arquivo pessoal)
Outro projeto de suma importância para o Centro de Memória é a Cooperação Técnica com o Instituto Amapá Terras. O Instituto Amapá Terras, tem a missão de realizar a regularização fundiária do nosso estado e a documentação valiosa do Instituto também vai ser digitalizada pelo CEMEDHARQ. A professora Verônica relata sobre o andamento do projeto Amapá Terras estar em processo de execução e será estendido por mais um ano. A documentação trabalhada é do século 18 em diante. Os arquivos estão sendo higienizados e encadernados. E, em troca, o CEMEDHARQ ficará com uma cópia digital dessa documentação, porém o material físico é de guarda do Amapá Terras.
Um dos projetos mais audaciosos é o da produção de um livro sobre a Guarda Territorial. Essa entidade, já extinta, é o embrião da Polícia Militar do Amapá. A Guarda Territorial era a instituição responsável pela segurança pública do Território Federal Do Amapá (1943-1988).
Guarda Territorial. Foto: (mídias sociais)
A Associação dos Guardas Territoriais solicitou ao Centro de Memória a produção de um livro que está sendo escrito com base em 70 entrevistas realizadas pela equipe do CEMEDHARQ. Verônica Xavier, conta extasiada dessa experiência “essa memória é maravilhosa porque traz a memória da cidade. Também porque a Fortaleza foi o primeiro quartel geral de Macapá, conta da primeira cadeia pública que é do período imperial quando funcionou como delegacia e também presídio. Essa instituição penal funcionou na Rua Getúlio Vargas nas intermediações da Casa Pernambucanas, quando a loja funcionava naquele endereço. Ou seja, a Guarda Territorial conta a história do Território Federal do Amapá. E isso é fascinante”, conclui.
Evento de lançamento do projeto do livro sobre a História da Guarda Territorial no Amapá. Foto: (arquivo pessoal)
O começo de tudo
O CEMEDHARQ é, antes de tudo, um projeto em construção. Um projeto que tem um ponto de partida e uma longa caminhada percorrida. Em 1996, o reitor titular da UNIFAP, ocupante do cargo daquele ano, João Renôr, procurou a professora Cecília Maria Chaves, Mariana Gonçalves e Verônica Xavier, que lecionava como professora substituta para tratar de uma pauta de suma importância para o colegiado de História, curso do qual o Magnífico Reitor era originário. Tratava-se de uma solicitação feita ao Arquivo Público do Pará. Toda a documentação referente à história do período colonial e Imperial amapaense deveria ser enviada para Macapá, em formato digitalizado. Uma tarefa árdua, mas que tinha uma missão histórica, haja vista que esse era o desejo de muitas gerações de pesquisadores, acadêmicos e de personalidades amapaenses que não tinham acesso aos conteúdos significativos da nossa história, e que estes documentos contam sobre a história do Amapá.
Não demorou muito para que essa ideia se tornasse um movimento maior. Nesse ímpeto, se uniu à causa a Biblioteca Pública Elcy Lacerda e a Confraria Tucuju, organização da sociedade civil formada por pioneiros que buscam resgatar, valorizar e preservar tradições e costumes do povo amapaense.
Biblioteca pública Elcy Lacerda. Foto: (arquivo pessoal)
Confraria Tucuju. Foto: (arquivo pessoal)
Prédio da Confraria Tucuju
A professora Verônica relata, como testemunha ocular daquele momento, o início daquela movimentação, quando “foi montada uma comissão formada pela Unifap, Confraria Tucuju e Biblioteca Pública. Havia uma empolgação com a causa porque o governo comprou o acervo pessoal do ex-governador Janary Nunes”, diz Verônica Xavier. Este acervo está resguardado no Museu Joaquim Caetano da Silva, localizado no Centro de Macapá que está fechado ao público desde 2015.
Espaço interno do Museu Joaquim Caetano da Silva. Foto: (arquivo pessoal)
Visita à Belém
A Direção do Arquivo Público do Pará demonstrou interesse em disponibilizar a documentação digitalizada. Porém, houve um empecilho que não permitiu que essa documentação fosse enviada para Macapá. Segundo Verônica Xavier, que integrava a comitiva amapaense, a Direção do Arquivo Público do Pará justificou que o Amapá não tinha estrutura para resguardar aquela documentação histórica. Documentos de 1506 até 1943, quando ainda pertencíamos ao Pará. Como podemos perceber, eram documentos raros e que precisavam ser resguardados nas condições ideais de luz, temperatura e ambiente, conforme às resoluções do CONARQ.
Como não havia no estado do Amapá espaços que preenchessem os requisitos obrigatórios de instalação, tanto físicos quanto de equipamentos e materiais, segundo normas legais do CONARQ, a documentação não foi liberada. Mas, o caso acendeu um alerta e serviu para compreender que era necessário reivindicar a construção de um espaço ideal para armazenamento de documentação histórica e arquivos raros no estado.
Por um Arquivo Público no Amapá, Já!
Verônica Xavier relata sobre a viagem ao Pará como um aprender de muitas lições e o surgimento de um movimento pela criação do Arquivo Público no Amapá. Também, levou as autoridades a iniciarem conversações sobre o assunto, “em 2010, a diretora do Museu Joaquim Caetano da Silva se interessou pela ideia de conseguir um espaço adequado para guardar a nossa documentação histórica que estava em Belém. Até mesmo a documentação digitalizada precisava ser armazenada de forma correta, dentro dos padrões exigidos pelas resoluções do CONARQ, pois o espaço precisa de uma temperatura ambiente e protegida de insetos, como traças e baratas”, conta a historiadora.
Esse processo também foi oportuno para reunir as autoridades públicas do Estado a discutir o problema da ausência de um espaço público para abrigar documentação histórica. Porém, nada saiu do papel.
No governo de Camilo Capiberibe (2011-2014), surgiu a ideia de construir um Memorial em homenagem ao centenário de Janary Gentil Nunes, o primeiro governador do Amapá. O Memorial seria localizado no Distrito de Fazendinha. A diretora-presidente do CEMEDHARQ conta que ela foi convidada para contribuir na formulação do projeto. Verônica é enfática ao afirmar “foi proposto que a edificação do prédio do Memorial Janary Nunes comportasse as instalações do Arquivo Público. Mas, por falta de interesse político o Memorial também nunca saiu do papel”, lamenta.
A importância de um Centro de Memória
Desde o surgimento, em 2017, o CEMEDHARQ adquire um papel de suma importância, não apenas para a comunidade acadêmica, mas também para a sociedade, em geral, uma vez que “todos carecem de registros oficiais e de memórias para verificação de suas indagações investigativas. Incumbência que vai além do desejo de um acervo arquivístico; avança em direção de uma ação extensiva à sociedade, no sentido de democratizar a informação científica”.
Em documento, o CEMEDHARQ afirma a sua função para a universidade como “a higienização e a digitalização dos acervos documentais públicos e privados, servem à comunidade acadêmica, aos professores da rede pública e privada, bem como ao cidadão. Ademais, a guarda documental e de memórias de sujeitos sociais, fomentam, sobremaneira, o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, que a Unifap corrobora, em consonância com o artigo 207 da CF/88”, conclui o documento.
A diretora-presidente do Centro Verônica Xavier Luna, que há décadas vem travando uma batalha pela criação do Arquivo Público, reafirma a importância de manter viva memória de um povo, zelar por essa documentação é o ato de suma importância tanto para a sociedade acadêmica quanto para a civil de um modo geral posto que a conservação de documentos vem atender pedidos comprobatórios, bem como servir de registros históricos, sócio-políticos, econômico e cultural de um povo. “Sem documentos não há histórias, nem memória, tampouco identidade de um povo”, conclui Verônica Xavier.
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